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A Calça Perfeita

Hoje é dia de participação masculina por aqui!!!

Hoje vou mostrar pra vocês uma crônica que escrevi, sobre um fato verídico!

Vocês podem acompanhar essa e algumas outras histórias no meu blog, o Niilismo Obsoleto.

A CALÇA PERFEITA

Por Cayo Vinícius

Ok, a tarefa era fácil, muito fácil. Domingo de muito calor, muito calor mesmo, desses que a gente abre o congelador e fica com a cabeça lá dentro por horas. Não que eu faça isso. Sério. Ta, só de vez em quando. Mas voltando pra minha missão: ir até o shopping, entrar e, alguma loja, pegar uma calça bacana e vir embora. O passeio não deveria durar mais de 30 minutos.

Tomei coragem e fui rumo ao shopping D. Provavelmente seria o mais cheio de todos, mas era o mais perto de casa e a preguiça me impediu de ir até o shopping G ou ao I.

Um calor desses que faz a Àfrica morrer de inveja, eu sem ar condicionado no carro. Deveria ter encarado isso como um presságio, era Deus me mandando ficar em casa. Desobedeci as indicações divinas e entrei no estacionamento repetindo a fala da “moça” da máquina de cartões ‘tenham uma boa tarde’, será que isso é possível? Carros percorriam freneticamente um zigue-zague sem fim em busca de uma vaga. Não querendo me estressar – e ciente das minhas baixas habilidades automobilísticas – estacionei o carro bem longe, num local quase inabitado pela raça humana. E comecei o caminho até a entrada do shopping. Os metros pareciam quilômetros sem fim, me senti pagando penitência no deserto do Saara. Uma voz me dizia lá no fundo que eu deveria ter levado água e comida para encarar tamanha jornada.

As portas de vidro se abriram mostrando um oásis: crianças birrentas jogadas ao chão, casais bregas tirando fotos e seguranças munidos de suas segways. Cansado, suado e descaracterizado: as características perfeitas para que você encontre algum conhecido. Mas o destino é assim, e em menos de 5 metros encontrei DOIS conhecidos. Era humilhação demais, pensei que devia ter ouvido funk no alto falante do celular em outra vida, só isso justificava.

Mas lá ao fundo enxerguei a Loja T. Olhei bem eu seu letreiro, como se quisesse estabelecer uma relação de amor a primeira vista entre nós, e fui. Passo firme, reto, decidido. O vendedor carismático já me esperava lá dentro.

– Oi, quero uma calça nº 42. Não muito larga, mas nada embalado a vácuo também.

– Certo, pode esperar aqui que vou pegar alguns modelos.

Ele me trouxe três calças. Não simpatizei com nenhuma, todas pareciam calças que eu já tinha. Abri os botões e dei uma sacudida, pra fingir que tinha experimentado. Resolvi esperar uns 2 minutinhos, pra continuar a farsa. Não resisti e fiz uma dancinha na frente do espelho, mas achei melhor parar ao imaginar que poderiam haver câmeras por lá.

Segui no corredor rumo à loja M. Vi uma calça na vitrine e pensei “é essa! Vou parecer ator de cinema, galã de Hollywood”. Peguei e fui pro provador. Antes de vestir e me apaixonar pela calça perfeita, resolvi olhar a etiqueta. Felicidade de pobre dura pouco, custava R$ 499. Resolvi experimentar. Surpreendentemente, ficou larga. Chamei o vendedor e pedi uma menor. Eu sabia que não ia levar, mas não poderia perder a chance de entrar numa nº 40. Deve ser o modo de agradar os clientes gordinhos, que se sentem felizes imaginando que emagreceram e compram a loja toda. Saí falando que ia dar uma voltinha e depois voltava. A mentira dita em lojas por 10 a cada 10 mães.

Duas lojas e nada, quanta desgraça. Queria desistir, mas fui convicto até a loja Z. Era minha carta na manga. A loja Z era bacana, com certeza ia ter algo legal, e lá eu mesmo podia pegar as peças e ir para o provador, sem nenhum vendedor enchendo o saco. Olhei, olhei, olhei e acabei separando três calças que eram bonitinhas.

A primeira não passou das coxas, me senti levemente oprimido, mas disposto a fazer a outra entrar, nem que fosse meu último feito em vida.

Soltei todo o ar dos pulmões, escolhi a barriga ao máximo, fiz uma força tremenda (as veias da cabeça até saltaram) e fechei o botão! Quando me vi vermelho no espelho, lembrei de respirar. A barriga pulou pra fora. Por um momento eu sonhei. Eu estava numa praia, deitado na areia. A imprensa mundial fazia a cobertura, repórteres falavam que a maior baleia já vista havia encalhado. Ativistas do Green Peace jogavam baldes e baldes de água em mim. Pessoas gritavam “VAI MOBY DICK, VOLTA PRO MAR, VOCÊ CONSEGUE”. Voltei à minha consciência com o rapaz do lado comentando com a esposa que estava magro demais. Uma força estranha veio e eu comecei a chorar, era humilhação demais. Pensei em Deus rindo de mim e tive a ideia de virar padre: as batinas pareciam bem confortáveis.

Quando estava me preparando pra sair, vi a última calça pendurada na parede. Seria mais vergonha ainda, mas a esperança é a última que morre. Enxuguei as lágrimas e a coloquei. O mundo de repente parou, ficou mudo, uma luz me envolvia num transe sem explicação: a calça ficou perfeita. Respirei fundo, deu uma, duas voltinhas. Com um sorriso digno de ganhador da Mega Sena atestei que a calça caíra muito bem, até realçara meu bumbum. Tirei, conferi se não tinha nenhum estrago e, em meio a um YES! mental, constatei que não. Olhei a etiqueta com um certo medo: estava na promoção, só R$ 89,90. Eu era a pessoa mais feliz do mundo, o amor tinha sorrido pra mim. Coloquei a calça antiga e fui para o caixa.

Fila de quatro pessoas, esperei até com gosto. Mal podia acreditar no meu achado. Desbravadores já tinham achado tesouros no fundo do mar, eu fiz melhor. Agarrei com força a calça, com medo de algum louco aparecer do nada e arrancá-la de mim. Cheguei no caixa, coloquei a calça no balcão e sorri para a atendente.

– Qual será a forma de pagamento, senhor?

Coloquei a mão no bolso e não acreditei: eu tinha esquecido a carteira em casa.

 

 

 

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